"Se não há nenhuma comunhão entre os homens e você, procure estar próximo das coisas, que não o abandonarão; ainda lhe restam as noites e os ventos que passam pelas árvores e sobre muitas terras; entre as coisas e os animais, tudo ainda é pleno de acontecimentos em que se pode tomar parte; e as crianças ainda são como você era quando criança, igualmente tristes e igualmente felizes. Quando pensar em sua infância, viva de novo entre elas, de modo que os adultos não sejam nada e suas virtudes não tenham valor algum"
Rilke
Roma, 23 de dezembro de 1903
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A solidão é um medo concretizado nos dias de hoje onde a múltipla aparição em diferentes meios de comunicação é essencial para que possa sentir-se melhor acompanhado, ou neste caso, menos solitário. Já tive amigos que vieram visitar-me e trouxeram seus notebooks, sentaram-se no sofá da minha sala, conectaram-se à minha rede sem fio de internet e iniciaram conversas com seus amigos virtuais através de softwares de bate-papo. Mais incrível ainda foi vê-los comunicando-se entre si através destes meios, uma vez eles estando no mesmo recinto.
Somos solitários, temos medos da solidão, não a queremos, e, ainda assim, fazemos o possível para continuarmos sozinhos. Honestamente não acredito na possibilidade de o virtual preencher meu dia de uma forma saudável. Sempre será apenas uma forma de complementar, mas jamais de dar sustento às minhas relações.
Nunca fui uma criança que passava o dia inteiro na rua com os amigos, ainda assim, dividi meu tempo de criança entre a televisão, a família e os amigos do bairro. Lembro-me de ir para escola, quando não havia ainda a internet, smartphones, ou o Twitter. Nós estudávamos e no intervalo tínhamos recreação com esporte ou ficávamos apenas conversando com os colegas. Chegávamos da escola, almoçávamos assistindo Chaves, íamos às ruas brincar, correr, andar de bicicleta, entre outras coisas.
O objetivo não é fazer aqui uma análise saudosista, comparando um tempo com um outro, no sentido de degradar esse novo em que nos encontramos. Todo tempo tem suas características e devemos aprender a compreendê-lo. Porém, compreendê-lo não é o mesmo que cruzarmos os braços diante da degradação da qualidade de nossas vivências pessoais. Todas as gerações carregarão seus traumas e virtudes. O acréscimo de nossa geração provavelmente será a concretização final da globalização, já nosso déficit deverá ser a má qualidade de vida que isso nos trará.
O problema em si nunca esteve nos meios ou condições de se alcançar quaisquer coisas, afinal, um meio, sem um utilizador é só um meio que resultará em nenhum resultado. O problema somos nós, utilizadores, agentes no meio.
Existem muitos instrumentos cirúrgicos e há de se saber qual usar, quando, onde e porquê. Nossa sociedade está neste momento, em uma mesa de cirurgia. Estamos abertos sobre ela na espera de uma finalização, um último encaminhamento. Realmente não saberia dizer se estamos finalizando a operação com o melhor instrumento. Isso, só o tempo dirá.
Reflito sobre essa mensagem de Rilke do ano de 1903, um momento onde contemplar as estrelas era uma experiência de trocas intensas e profundas com o divino. Onde escutar o vento uivar durante as madrugadas era aterrorizante, e, ao mesmo tempo, encantador. Era um tempo onde o tempo, que não existe, existia. Podíamos contemplar uma ave e seu canto, o entardecer, o amanhecer. Coisas simples que nos proporcianavam, mesmo nos momentos de solidão, o saber de que nunca se está a sós. O saber de que a Terra e o Universo são Deuses vivos e com vontades próprias. A falta de comunicação de hoje e nossa solidão, não são frutos da tecnologia temos disponível ao nosso alcance, mas da falta de conhecimento de nossa própria essência e interação com nossas próprias raízes.
Lembremos que somos animais sexuados, que multiplicam-se da forma mais mundana possível. E é através dessa forma que multiplicamos a vida. Através da troca concretizada! É da comunicação real que se institui a vida. E, isso, deveria ser prova irrefutável de que a transferência de nossas vidas para o virtual - de forma completa e total - não nos fará mais vivos, lembrados e menos solitários. Nos fará, apenas, mais virtualizados.
Óde à vida, à solidão do ser com o universo, à comunicação dos seres com os seres, à criança que existiu um dia em nós.
Por Robson Rogers
3 COMENTE AQUI:
Bravo! É só o que me vêm à mente!
Dissertou e destrinchou de forma maravilhosa esse tema.
Toda essa tecnologia ao alcance das mãos e todos esses softwares criados para uma ligação maior entre os seres humanos, tudo isso não passa de uma forma de isolamento.
Não nego seus méritos e seus benefícios, mas ligação não é contato. E nos falta contato, toque, falta essa relação orgânica e natural que tu citou ao falar das estrelas e dos pássaros.
Nos falta exatamente a infância, a verdadeira, o suor no rosto depois de tanto correr e o abraço sincero de quem está do nosso lado!
Um UPA! pra ti Yu. =)
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